A manhã é tipicamente outonal. São pouco mais de oito e meia de um domingo e, apesar do Sol já ter descoberto, os campos ainda estão cobertos de orvalho.
Em locais onde os raios solares incidem, a temperatura é amena. Já o mesmo não se poderá dizer à sombra dos salgueiros, onde uma brisa sopra. E é aí, a bordejá-los, que António Silva, de barco, vai colocar as redes, os botirões, um género de nassa ou narsa, mas de maiores dimensões.
Sozinho, a tarefa nem sempre parece fácil, tanto mais que no último alevantar das redes o Tejo ia com muito mais água e, por via disso, aquelas ficaram penduradas lá no alto das ramagens dos salgueiros.
Agora, é preciso algum malabarismo para, empoleirado no bordo do barco, as alcançar e colocar novamente na água.
Mas a experiência de mais de meio século nestas labutas torna fácil o que a nós nos pareceria difícil.
Habilidade também é necessária para espetar (com a força dos braços e a ajuda de pedras colocadas estrategicamente em vários pontos da draga) no fundo do rio as varas (rabeiras) onde serão enfiados e fixados os botirões.
Mais à frente, há que consertar o arco do salgueiro partido ou substituir o canudo de sabugo que une aquele.
Com o tempo a não haver meio de aquecer, vêm à memória outros tempos, onde mesmo em dias de geada, se andava descalço dentro do barco e pelos campos.
“Os pés já andavam calejados, já nem sentiam o frio. As primeiras botas que pus nos pés, tinha eu 17 anos, andava em frente da Boavista [quinta situada do lado lá do Tejo, já no concelho de Santarém, quase defronte ao Patacão de Baixo], a meter maracha por conta da Hidráulica. Ia todos os dias, antes de nascer o Sol, daqui, do Patacão, a pé, a pisar gelo. Andávamos a ganhar 25 escudos. Era só miséria, mas nessa altura um fulano vivia mais tranquilo, mais alegre que vive agora”.
E lá ia deslizando o barco nas águas tranquilas do Tejo, com a ajuda da vara manejada por António [Jerónimo] Silva, um dos poucos pescadores que ainda anda nesta faina.
Quanto ao peixe, na próxima terça-feira algum haverá de estar nas redes para, no dia seguinte, a Dª Maria, sua esposa, o ir vender à praça de Alpiarça. Episódios do nosso mais importante património, o humano.
Ricardo Hipólito
PORTFÓLIO FOTOGRÁFICO
(António Jerónimo da Silva, último Avieiro do Patacão, em Alpiarça)
Autor: Ricardo Hipólito
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